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DATILÓGRAFO

Mês: outubro 2021

Jack Estripador vs Jackie Tequila

Era noite, Jaqueline resolveu fazer uma chamada de vídeo no computador com a amiga Bárbara para afastar os pensamentos que a assombravam. Quando estava sozinha, aquele sobrado parecia muito maior do que realmente era e cada barulho lá fora a fazia dar um pulo. Vinha tentando ficar sóbria nos últimos dias, mas a tensão em que se encontrava por causa das mensagens tornava tudo mais difícil. Pelo menos agora conseguia rir um pouco e distrair a mente enquanto conversava com Bárbara.

– Ele me ofereceu uma grana alta, acredita?

– E você não aceitou?

– Claro que não, ele pode pagar pra ver meus vídeos no OnlyFans se quiser, mas não faço esse tipo de coisa.

– Pagando não, né amiga, mas de graça já fez com a cidade toda! – Bárbara caiu na risada enquanto Jaqueline protestava.

– Eu estou mudando, dessa vez é sério, chega de Jackie Tequila, agora vou me tornar uma moça séria. Já não bebo há… três dias.

– Estou com você – respondeu a outra dando uma piscadela – vou passar uns dias na lancha do Seu Moacir, ops, Big-Moe (ele fica muito irado quando chamam ele de Seu Moacir) e quando voltar vou parar de beber também! Mas… a gente vai continuar mostrando a raba na internet por dinheiro, né?

– É claro! Vamos gravar outro vídeo juntas antes de você ir. O de Halloween está bombando.

– Eu topo! Agora… mudando um pouco de assunto… e o doido das mensagens, parou de te encher o saco?

Jaqueline deu um suspiro profundo, seu semblante mudou completamente à memória das mensagens.

– Quem me dera, hoje mesmo recebi um direct. Já bloqueei ele duas vezes, mas ele cria outras contas. Olha só o que ele me mandou mais cedo, você não vai acreditar:

Estou atrás das putas como você e não deixarei de estripá-las até que eu esteja farto. Meu trabalho será grandioso. Eu nem te darei tempo para gritar.”

– Minha nossa – exclamou Bárbara – dessa vez ele pegou pesado!

– Eu estou com medo, Barbie, já até pensei em excluir minha conta do OnlyFans, mas ele também me mandou mensagens no e-mail pessoal, nem sei como conseguiu o endereço e…

– O que foi?

– Ouvi meu celular vibrando, deixei ele lá no quarto, vou buscar e já volto.

Jackie se levantou e subiu os dois lances de escada que levavam ao seu quarto. A câmera do computador exibia para a amiga uma bela sala, com decoração moderna e requintada. Ao fundo se via o corredor que dava para a cozinha, passando pelas portas da despensa e do banheiro. Bárbara observava o ambiente, que servira de palco para tantos vídeos das duas, e pensava se teria sido uma boa ideia deixar a amiga morando naquele sobrado sozinha.

Então, Bárbara viu algo que fez cada pelo de seu corpo arrepiar: Uma sombra se aproximava lentamente pelo corredor, vindo em direção à sala. A moça levou a mão à boca instintivamente e apertou os olhos para entender o que era aquilo. Mais próximo, ela conseguiu distinguir um homem baixo, usando um casaco escuro e um estranho chapéu alto. Bárbara gritou o mais alto que podia, na esperança de alertar a amiga, mas logo notou que a sombra ficara imóvel, a chamada havia travado.

“Ela precisa de mim, ele vai matá-la” – pensou desesperada, então pegou as chaves do carro e saiu com pressa.

***

No quarto, Jaqueline pegou o celular em cima da cama e viu uma nova mensagem: “De Jack para Jackie” com uma foto anexa. Ela clicou no desenho de seta para baixar a foto, mas mudou rapidamente de aplicativo, como se estivesse tentando fugir da barra verde que se enchia. “Não vou ver isso agora, ele está tentando me apavorar.” Deslisou a tela do Instagram por alguns instantes, olhando para várias imagens sem realmente prestar atenção em nenhuma, até que a rolagem parou. A internet não estava mais funcionando.

“Não, por favor, hoje não.”

Enfiou o celular no bolso e desceu novamente as escadas, já preocupada com a amiga que a estava esperando. A tela do computador estava ligada, mas a chamada havia caído.

Procurou o roteador, forçando a memória para se lembrar onde ele ficava. “Na despensa, é isso. Me admira que a internet funcione nessa casa com o roteador enfiado lá.” Se apressou até o corredor e encontrou a porta da despensa entreaberta. Atravessou o braço pela abertura, tateando na parede em busca do interruptor, mas a luz não acendeu. Após uma bufada de indignação, ligou a lanterna do celular e entrou na despensa escura, indo até a parede de trás onde ficava o roteador. Nenhuma luzinha piscando. Passou os dedos na parte de trás do aparelho, buscando o botão de ligar, mas logo notou algo faltando.

– Onde está o cabo da tomada? Isso não faz sentido…

Enquanto agitava o celular para focar a lanterna, sua mão sem querer fazia os aplicativos abertos transitarem na pequena tela, até que apareceu diante de si a foto que Jack havia lhe mandado. Jaqueline arregalou os olhos quando viu que a foto era dela mesma, de costas, sentada em seu computador durante a chamada de vídeo com Bárbara.

“Ele está aqui!”

A moça saiu correndo em pânico, mas mal atravessou a porta da despensa e dois braços passaram diante de seu rosto, vindo de trás. O cabo retirado do roteador apertou seu pescoço e ela sentiu um misto de dor e desespero enquanto o agressor tentava estrangulá-la. Mas Jackie não se entregou, apoiou os pés na parede do corredor e empurrou com todo o peso do seu corpo para trás, fazendo o homem perder o equilíbrio e cair de costas, então correu de volta para dentro da despensa e fechou a porta. Sentiu dois chutes violentos, vindo do outro lado, mas conseguiu puxar uma das grandes prateleiras, que ficou atravessada na diagonal, bloqueando totalmente a porta. Agora só podia ouvir as pancadas e urros de ódio de Jack.

Escutou seu celular vibrando, apalpou os bolsos por instinto, mas sabia que ele não estava lá, o barulho vinha do corredor. Sem ele, não poderia pedir socorro e teria que ficar ali, presa até alguém aparecer. Não demorou a encontrar uma lanterna de emergência e se sentiu um pouco mais aliviada por não estar mais totalmente no escuro. Do outro lado, ouvia passos que iam e vinham, vez ou outra o homem forçava a maçaneta tentando abri-la, mas logo parava novamente.

Após um tempo, Jackie não fazia ideia de quanto, ouviu a voz de Bárbara chamando na porta da frente do sobrado.

***

– Jackie, você está bem? Por favor me responde – gritava Bárbara enquanto batia na porta, do lado de fora – se tiver mais alguém aí, fique sabendo que eu chamei a polícia e eles vão chegar a qualquer instante!

“Assim que eles pararem de rir e acreditarem na minha história sobre o Jack Estripador” pensou triste consigo mesma.

Sem resposta, olhou apreensiva pelas janelas. As luzes estavam acesas, mas não havia sinal de vida.

De repente ouviu a voz de Jaqueline, parecia abafada e distante, não conseguiu compreendê-la.

– Jackie, onde você está?

Foi a última coisa que Bárbara disse antes da sombra de Jack surgir sobre ela. Sentiu uma pancada forte na nuca e tudo ficou preto.

De dentro da despensa, Jaqueline ainda berrava tentando alertar a amiga.

***

Jackie ouviu algo pesado sendo arrastado pelo corredor em direção à cozinha. Só a ideia de que poderia ser sua amiga a fazia tremer. A moça gritou alguns palavrões para Jack através da porta, mas não teve nenhum tipo de resposta. O medo começava a se transformar em raiva.

Procurou ao redor por algo que pudesse usar para se defender. Encontrou em uma caixa de ferramentas um pequeno canivete, que guardou no bolso, e uma chave inglesa bem comprida.

Custou muito para mover a enorme prateleira de volta ao seu lugar, mas finalmente a porta estava livre. O medo do que poderia acontecer agora encheu Jackie de adrenalina. Ela segurou a pesada chave inglesa e saiu para o corredor. Foi então que se deparou com uma cena muito bizarra.

Jackie ouviu um chiado e um cheiro de comida invadiu o corredor. Havia sangue e o rastro seguia até a cozinha. Lá estava Jack, de costas, fritando algo no fogão. O corpo de Bárbara estava no chão, a barriga havia sido aberta e as vísceras estavam visíveis, tinha sangue por toda parte. Jaqueline tapou a boca para conter o vômito.

– É uma receita de família – o homem tinha uma voz esganiçada, porém calma – meu bisavô a trouxe da Inglaterra.

Jack tinha o rosto redondo e um bigode grosso e pontudo, seus olhos castanhos estavam encobertos pela sombra da aba do chapéu. Usava um avental de couro todo surrado e manchado de sangue. Ele colocou a frigideira sobre a mesa e apanhou uma enorme faca que também estava ensanguentada.

– Podemos chamar hoje em dia de receita ecológica, pois eu faço uma limpeza, matando algo de podre na sociedade (como vocês, prostitutas da Internet) e em troca faço um lanchinho com um pedaço do seu rim.

Por um momento, Jackie se desligou da realidade, parecia estar em um sonho distante, um pesadelo que logo iria acabar com ela acordando tranquilamente em sua cama. Aquilo não podia estar acontecendo de verdade.

Mas o instinto de sobrevivência se fez mais forte que o medo: quando Jack a atacou com a faca, a moça reagiu e saltou de lado, desviando do golpe. Ela brandiu a chave inglesa em resposta, mas também errou e, nesse momento, o homem deu uma segunda estocada de baixo pra cima que a acertou nas costelas, fazendo um corte profundo. Jaqueline se debruçou sobre a mesa, encurvada pela dor.

– Agora não vai demorar, minha cara. Vou cortar suas orelhas e mandar para a polícia, junto com um bilhete escrito com seu sangue. Você vai ficar bem famosa no final das contas.

Jaqueline sentiu algo quente perto de si, era a frigideira com o rim frito da amiga, que Jack havia acabado de tirar do fogo. Ela apertou a mão em volta do cabo da frigideira e golpeou com toda a força que lhe restava, atingindo em cheio o rosto de Jack. O homem caiu de joelhos gritando, com as mãos sobre a face queimada. A moça agiu rápido, puxou o canivete do bolso e cravou em seu pescoço. O sangue jorrou, atingindo a janela sobre a pia.

***

Era Halloween, alguns adolescentes passeavam pelas ruas fantasiados de todo tipo de criatura de filme de terror. Os poucos que notaram uma moça atônita, andando com a roupa toda ensanguentada e um canivete na mão, pensaram ser só mais alguém vindo de uma festa à fantasia depois de beber bastante.

Jaqueline foi encontrada pela polícia a 3 quarteirões de sua casa, em estado de choque, com uma ferida aberta na lateral do tórax e foi levada às pressas para o hospital. Só conseguiu falar com detalhes sobre o ocorrido dois dias depois.

Os corpos de Bárbara e Jack foram levados pela perícia. O misterioso homem não foi identificado e ninguém veio reclamar o corpo, acabou sendo cremado como indigente, junto com suas roupas e a faca que usou no crime.

Quadrinhos são para crianças?

O Superman Bi só é polêmico pra quem não entende de quadrinhos.

E sobre isso, não quero dizer que concorde, ou que deva ser assim mesmo, mas que se engana quem pensa que os quadrinhos de heróis são feitos para crianças. Se a notícia de um superman bissexual nos quadrinhos te alarmou, sinto te informar que você estava até agora com os olhos vendados e chegou nessa luta uns 40 anos atrasado.

 

Como os pais se deixam enganar

Faz muito tempo que as histórias em quadrinhos não se resumem a herói contra vilão e bem contra o mal, num mundinho de faz de conta simplório como a maioria dos pais costuma imaginar. E com muito tempo, quero dizer, desde que me entendo por gente.

Não se deixe enganar: Personagens como o Deadpool são +18 e isso é muito claro.

Nos anos 90, quando minha mãe comprava, inocentemente, revistas dos X-men pra mim, eu ficava abismado em como eu podia ler aquele conteúdo tão tranquilamente, sem supervisão. Não era nada pornográfico, lógico, mas as histórias sempre foram muito densas, sem economizar nos palavrões, insinuações e violência.

A sexualidade estava abordada ali de várias formas, mas os adultos achavam os quadrinhos uma besteira de criança e nunca os liam, ao contrário, compravam mais gibis para seus filhos. Me lembro de ver um aluno de uns 6 ou 7 anos aparecer na sala com uma revista do Deadpool, feliz da vida, e pensar: “a mãe dele não faz a menor ideia do que tem ali dentro.”

 

 

Os filmes de herói escondem a verdade

Batman Eternamente – a idiotização em forma de filme.

É importante mencionar que os filmes sempre infantilizaram os personagens, deixando aos desavisados essa impressão de que todas as histórias deles seriam bobinhas. Posso citar aqui os filmes do Batman (pelo menos antes da trilogia do Christopher Nolan), do superman, homem-aranha e x-men, por serem os mais conhecidos. O próprio Universo Cinemático Marvel é adaptado para que as crianças possam ir ao cinema e depois comprar produtos e brinquedos. MAS:

Todos esses filmes mostram uma visão muito rasa e fraca do que os personagens realmente são. E, apesar de ser muito legal ver cenas de ação cheias de efeitos especiais, eles não representam quase nada do que você pode encontrar nos quadrinhos.

Aquela máxima: O livro é sempre melhor que o filme, também se aplica aqui. As histórias são bem melhores nos quadrinhos, mas também muito mais pesadas.

 

O BOM: Vantagens literárias e artísticas dos quadrinhos

Essa densidade de conteúdo não é necessariamente um mal – não do ponto de vista literário – essa tal carga mais pesada nos quadrinhos de certa forma enriquece suas histórias. Isso mesmo: há quadrinhos tão bons ou até melhores que muitos romances por aí. A questão aqui é: não é só porque eles tem desenhos que são para crianças. Nunca foram, inclusive. Para ilustrar isso, a graphic novel WATCHMEN consta na lista da Times entre os 100 melhores livros de todos os tempos. Com cenas de sexo, violência e tudo mais.

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Outros títulos como “Batman: O cavaleiro das Trevas” e “X-men: Deus ama, o homem mata”, configuram entre as melhores obras já publicadas, que eu recomendo enormemente para os adultos.

Outra vantagem que não podemos ignorar é a própria arte gráfica. Não são só “deseinhos”. Há ilustrações lindíssimas que requerem um talento invejável, difícil de se comparar nos outros setores artísticos hoje em dia. A qualidade técnica e a presença do belo são necessárias nos quadrinhos. Não dá pra simplesmente “meter um pancadão” e fazer sucesso como em áreas da música, por exemplo.

Veja abaixo um exemplo da maravilhosa arte de Alex Ross, considerado um dos melhores desenhistas da atualidade:

Então, não odeie as histórias em quadrinhos por tentar “perverter” seus filhos. Apenas filtre melhor o que está dando para eles lerem e pare de julgar algo como infantil simplesmente por conter desenhos.

O que tem para as crianças:

Há versões dos quadrinhos de heróis voltadas para as crianças.

Lembrando que: a maioria das revistas têm a classificação indicativa na capa, então, é melhor começar a levar isso em conta. Há versões das revistas de heróis voltadas para um público mais infantil, mas, eu aconselho você a ler antes da criança mesmo assim.

Veja que nem algo obviamente infantil, como a Turma da Mônica, está a salvo das polêmicas:

Eita!

E, a partir daqui, entramos no problema real:

 

O RUIM: Ataques ideológicos

O grande problema aqui não é só a densidade das histórias, a classificação indicativa ou a inclusão LGBT em si, mas o verdadeiro ataque ideológico. Você não pode ter opinião própria ou um discurso fora do progressismo ou será taxado como criminoso.

O Brasileiro Joe Benett foi perseguido e cortado da Marvel por pensar diferente.

Isso aconteceu dentro da própria Marvel nos últimos dias, quando o desenhista brasileiro Joe Benett começou a ser atacado por seus companheiros de casa por seu pensamento conservador e acabou sendo cortado da empresa. Vale a pena ler a entrevista dele para o jornal BSM aqui:

 

Depois disso, o jogador de vôlei Maurício Souza (não confundir com o De Souza, por favor) teve sua carreira no esporte cancelada por opinar sobre o Superman bissexual na internet.

A frase super ofensiva que ele escreveu foi: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…” e isso foi suficiente para gerar uma onda de ódio que acabou com sua carreira.

Podemos prever mais cancelamentos e ataques de ódio caso alguém manifeste opinião contrária ao personagem LGBT na turma da mônica posteriormente, mesmo que fizer isso de forma educada.

 

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Quadrinhos conservadores

Se você quiser dar preferência para quadrinhos assumidamente conservadores, existem ótimas opções, isso não significa que sejam para crianças, mas é bom ver um conteúdo de qualidade nessa área que fuja da onda progressista.

Existem sim opções de quadrinhos conservadores, dentro e fora do Brasil.A melhor delas, atualmente é a editora Super Prumo, com publicações nacionais originais e também quadrinhos americanos voltados ao público conservador, publicando por aqui as histórias da editora Arkhaven Comics.

Arkhaven Comics é uma das maiores editoras de quadrinhos conservadores internacionais.

 

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BÔNUS:

O Papa já foi um herói da Marvel

Em um passado não muito distante, o dinheiro dos católicos falou mais alto que a lacração e a Marvel publicou um quadrinho do Papa João Paulo II. A história é difícil de encontrar hoje, mas não pense que é mais uma daquelas distorções horrendas que fazem quando vão falar sobre a Igreja. O quadrinho é bem fiel, teve acompanhamento da diocese local e a equipe foi formada por católicos que trabalhavam na Marvel, resultando num material muito interessante.

 

MISSA DAS 11:45

A pintura da capela estava gasta e toda lascada, o mato havia crescido ao seu redor e as folhas altas e disformes acariciavam a lateral da construção. No interior da igrejinha, uma única lâmpada tímida trabalhava com dificuldade para iluminar parcialmente o confessionário, deixando o restante do local na completa escuridão. Curiosamente, não havia lá dentro aquela luzinha vermelha, comum nas igrejas católicas, que indica a presença do Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

De dentro do confessionário, se ouve a voz de uma moça:

– Obrigado por me atender a essa hora, padre. Sei que essas missas, tão tarde da noite, devem deixá-lo cansado, então tentarei ser breve.

– Nada disso, minha querida – respondeu uma voz masculina do outro lado da separação de madeira, que os impedia de se ver diretamente, a voz era rouca e as palavras pronunciadas pesadamente, como quem acaba de correr uma maratona – só acho que poderíamos conversar na minha casa, ou no salão paroquial, sentados em um bom sofá… talvez bebendo alguma coisa… não precisamos desse confessionário tão medieval.

– Eu prefiro aqui – interveio a moça – sou mais tradicional.

– Vamos ver… – resmungou o padre – seu nome é Jaqueline, não é? Pode começar sua confissão.

Ela aguardou um instante, para que ele fizesse a oração introdutória, mas como não teve retorno, começou a falar:

– Eu vivi minha vida de maneira muito errada por muito tempo, padre. Sempre atrás de festas, bebia muito e fazia muita besteira. Meus amigos até me apelidaram de Jackie Tequila. Me afastei de Deus e de todos que me queriam algum bem, mas… bom, alguns acontecimentos me fizeram repensar bastante minhas ações: Sofri duas tentativas de assassinato nos últimos anos, em uma delas a experiência foi… sobrenatural. Não vou entrar em detalhes, mas resolvi mudar de atitude e voltar para casa e para a Igreja. Cheguei de viagem há poucos dias.

– Fez muito bem, querida, muito bem. Geralmente não recebemos muitos visitantes por aqui.

– Eu sei, padre, e é um dos motivos de eu vir falar com o senhor. Há algo errado com essa comunidade.

O sacerdote fez uma longa pausa e então perguntou:

– E… por que você acha isso?

– Vou explicar, padre: Antes de vir, tentei contato com meus pais e amigos de infância que ainda moram aqui em Pomaré, mas não consegui falar com ninguém, era como se a cidade estivesse isolada do mundo. Resolvi vir direto, mas também não encontrei nenhum ônibus que passasse por aqui, e nas rodoviárias ninguém conseguia explicar o porquê, nem se lembrar de quando a cidade foi tirada das rotas. Peguei o carro e vim o mais depressa possível, passei pela ponte sobre o rio e não encontrei nenhum outro veículo pela estrada até chegar aqui.

– Uma série de coincidências interessantes – disse o padre calmamente – mas são só isso, aposto que encontrou seus pais e amigos bem, não é mesmo?

– Sim, estão bem e alheios a tudo, cheguei a pensar que era só coisa da minha cabeça… mas foi aí que aquele estranho homem com um casaco preto me abordou. Ele estava sujo e o casaco estava todo surrado, parecia ter saído de um filme de terror. Disse que era sacerdote, se chamava.. Monsenhor Fernando. O senhor deve conhecê-lo, não?

O padre se moveu de supetão dentro do confessionário, fazendo a estrutura de madeira chacoalhar por um instante.

– Isso é impossível, minha cara. Impossível. O que esse sujeito queria com você?

– Me alertar, ele disse. Mas não explicou nada, falou para eu fugir da cidade e procurar uma igreja o mais rápido possível, depois sumiu na escuridão da mata como se fosse um fantasma. Como havia esta capela aqui mesmo, resolvi vir me confessar e ter algum direcionamento com o senhor. Vim pensando em tudo que me aconteceu até aqui, e de como tudo parece estar estranhamente conectado, isso me deixou ainda mais assustada. Quem é esse Monsenhor Fernando?

– Ele era o pároco daqui antes de eu chegar. Entreguei para ele a carta de transferência e ele saiu da cidade há algumas semanas, depois voltou transtornado, não falava coisa com coisa, fez uma grande confusão e partiu sem rumo. Se acidentou tentando passar pela ponte, coisa feia, o carro afundou no rio.

– Nossa, e como ele sobreviveu?

Não sobreviveu, por isso eu disse que é impossível que tenha falado com ele hoje.

Um calafrio desceu pela espinha de Jaqueline, mas logo em seguida seu corpo inteiro estremeceu, pois ouviu o barulho enferrujado da porta da igreja se abrindo. Ela não teve coragem de espiar para fora do confessionário, que era todo fechado, mas escutou passos lentos e pesados se aproximando pelo corredor central.

Pelas gretas da porta de madeira ela viu uma sombra, que ia aumentando aos poucos, vindo em sua direção. A portinha não tinha tranca, Jaqueline segurou o trinco com as mãos, na esperança de conseguir mantê-la fechada, mas sentiu um peso nele: alguém estava segurando do outro lado.

Um solavanco abriu a porta e a garota deu um pulo de medo. Uma mão grande agarrou sua boca, impedindo que gritasse. Os olhos do Monsenhor Fernando estavam sérios, encarando os seus. Ele esticou um dedo da outra mão e encostou nos próprios lábios, em um sinal para que fizesse silêncio.

– Eu te disse para fugir e você corre para as garras do próprio demônio? – sussurrou o homem, puxando-a para fora do confessionário.

Ao dar meia volta, encontram o padre parado em pé atrás deles, era um senhor magro de cabelos brancos, tinha os olhos negros e formava um sorriso ameaçador com seus dentes amarelos.

– Achei que havia me livrado de você – disse o padre sem perder o sorriso.

– Fique atrás de mim – o Monsenhor falou para Jaqueline, colocando seu corpo como barreira entre a moça e o estranho velho – não fale mais com ele.

– Mas ele é o padre da paróquia…

– Essa coisa pode ser tudo, menos padre.

Tirou do bolso do casaco um rosário e uma garrafinha transparente. Apontou o primeiro objeto para o velho enquanto tirava a tampa do segundo com os dentes.

– Você podia ter tido tudo – rosnou o velho, sua boca começou a se contorcer – agora, o que acha que vai acontecer? Acha que vai salvar as almas dessa cidade? Eles já estavam perdidos muito antes de eu chegar aqui.

O Monsenhor aspergia o velho com o líquido da garrafinha e proferia palavras em latim. Com a voz agora carregada de ódio, a criatura não parava de falar:

– Eles gostam das minhas celebrações cheias de festa, acham inovador quando troco o pão e vinho por refrigerante e bolo. Muitos vem se confessar comigo, e o que acontece no particular… ah, eles gostam. Quanto mais afastado dEle, mais felizes eles ficam e mais a capela lota de gente, enquanto suas catedrais só tem uns poucos moribundos dormindo na homilia, aqui eles podem ser o que quiserem ser.

As palavras em latim iam saindo cada vez mais alto, a água benta provocava cortes na pele do velho. Jaqueline assistia tudo assustada, encolhida atrás de um banco próximo, queria sair correndo, mas estava paralisada de medo.

– Você devia ter morrido naquele acidente… e essa vagabunda – apontou para Jaqueline – seria a próxima, eu estava tão perto – a voz não era mais humana – vou arrancar o coração de vocês dois!

Jaqueline colocou a cabeça entre os joelhos, fechou os olhos e começou a recitar todas as orações que conseguia se lembrar. À sua volta, ouvia bancos se arrastando, janelas e portas abrindo e fechando, e palavras em idiomas que não compreendia. De repente, um grito arrepiante e uma pancada forte de algo caindo no chão.

A moça abriu os olhos devagar, tremendo muito, viu o Monsenhor em pé, suado e ofegante, e o corpo do velho padre estendido no chão, distante alguns metros de si.

– Acabou, minha querida… vamos embora… está tudo bem agora.

***

No dia seguinte, Jaqueline e o Monsenhor caminhavam sob o sol. Ele estava agora limpo e bem-vestido, ela, com uma expressão de alívio no rosto. A rua estava cheia de pessoas caminhando e conversando energicamente, pareciam compensar um tempo perdido que elas não conseguiam compreender.

– Eu nunca fui pároco daqui, o anterior sumiu quando o velho chegou. Vim a primeira vez a pedido do Bispo – o Monsenhor explicava – pois tivemos muitas denúncias da comunidade de “missas” distorcidas e completamente fora da liturgia. Parecia uma profanação grave da casa de Deus. A coisa era bem pior do que imaginávamos, tivemos muitos desaparecimentos, a própria cidade ficou de certa forma oculta do mundo e eu mesmo escapei por pouco da morte, somente pela graça de Deus.

– Sinto muito por ter fugido do senhor, obrigado por salvar minha vida. Parece que sou perseguida por esse tipo de acontecimento bizarro.

– Já presenciou algo parecido antes?

– Duas vezes – ela respondeu olhando distante para o horizonte – foram bem diferentes de ontem à noite, mas tão estranhos quanto… sempre no Halloween

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